O VAR marca presença não só na Copa do Mundo de 2018, mas em diversos esportes - e a empresa por trás da tecnologia só expande sua atuação

Tecnologia do árbitro de vídeo, ou VAR, na Copa do Mundo de 2018: startup criadora da tecnologia atua com serviços para diversos esportes (Sergei Karpukhin/Reuters/Reuters)

A Copa do Mundo de 2018 já ganhou um personagem polêmico: o árbitro de vídeo. O recurso foi o responsável por anular o pênalti de Neymar no jogo do Brasil com a Costa Rica.

O VAR, como é chamado o árbitro de vídeo na sigla original, pode ser acionado por mímica dos árbitros, desenhando um retângulo com as mãos. Na Copa 2018, a tecnologia está sendo usada em quatro ocasiões: anular ou validar gols; verificar faltas que podem gerar pênaltis; verificar faltas de cartão vermelho; e conferir a identidade do jogador que recebe um cartão.

Além de uma equipe de quatro profissionais, instalados em uma cabine no Centro Internacional de Transmissões em Moscou, há muita tecnologia envolvida na captura dos vídeos e na produção de simulações dos lances futebolísticos. Quem está por trás dessa inovação é uma startup britânica, chamada Hawk-Eye Innovations. O negócio, que começou atendendo esportes como críquete e tênis, expandiu para o futebol após ser adquirido por uma gigante da tecnologia. Desde então, só expande sua carteira de clientes e seus serviços.

O árbitro de vídeo
A Hawk-Eye Innovations, que desenvolve tecnologias gráficas e em vídeo para o mercado esportivo, começou a operar em 2001 e foi fundada pelo engenheiro Paul Hawkins. A empresa tornou-se conhecida no mercado por tecnologias para acompanhar a trajetória das bolas usadas em esportes como críquete e tênis. O negócio foi adquirido pela gigante japonesa Sony em 2011 – e conseguiu recursos para expandir sua atuação a outros esportes, como o próprio futebol. Hawkins passou sete meses como diretor de inovações nos esportes da Sony.

A Hawk-Eye chamou a atenção da Federação Internacional de Futebol (FIFA) bem antes da realização do mundial de futebol na Rússia, com sua tecnologia de visualização da linha do gol (na sigla original, GLT).

De acordo com o veículo Wired, o então presidente da FIFA Joseph Blatter passou a apoiar o recurso que permite ver se a bola passou ou não das linhas de campo após um fiasco na Copa do Mundo de 2010. Um gol corretamente marcado pelo jogador inglês Frank Lampard foi anulado – o que impediu que sua seleção empatasse o jogo contra a Alemanha. Blatter pediu desculpas e prometeu a implementação do GLT antes da Copa do Mundo de 2014, que seria realizada no Brasil.

A Hawk-Eye apresentou uma proposta condizente aos requisitos, que incluíam a indicação de gol ao árbitro em seu relógio em até um segundo, por meio de vibração e sinal visual. Quem venceu o edital foi outra startup, chamada GoalControl – mas a britânica permaneceu no radar da FIFA e obteve uma licença da associação para sua tecnologia de linha do gol. O conhecimento seria expandido para a tecnologia de árbitro de vídeo.

Após a inovação ter sido testada nas ligas alemã e italiana, a startup garantiu o lugar de provedora oficial do VAR para a Copa do Mundo 2018. Um grande impulso foi a aprovação permanentemente do VAR em março deste ano pela International Football Association Board (IFAB).

O coração da Hawk-Eye Innovations é a “Tecnologia de Replay Multi-Ângulos Sincronizados” (na sigla original, SMART). Câmeras instaladas nos campos gravam diversos pontos de vista de um mesmo lance e a tecnologia faz em tempo real a “triangulação” da trajetória da bola – o que significa determinar a localização estatisticamente mais provável da bola por meio dos diversos ângulos capturados.


A empresa torna esse material disponível em tempo real, por meio de uma rede privada de internet. Os arquivos podem ser acessados remotamente e ser salvos tanto na nuvem quanto nos próprios discos rígidos dos computadores.

No caso da Copa 2018, as imagens dos lances futebolísticos são gravadas por 33 câmeras e repassadas aos quatro membros que formam o “árbitro de vídeo”, no Centro Internacional de Transmissões em Moscou. A decisão tomada pelo VAR precisa ser validada pelo árbitro no campo para ser oficial. A tecnologia já foi usada em partidas como Portugal versus Espanha, França versus Austrália e Peru versus Dinamarca.

De acordo com o atual presidente da FIFA, Giovanni Infantino, a precisão de 1.000 partidas experimentais subiu de 93% para 99% com o uso do VAR. “Eu diria a fãs, jogadores e técnicos que veremos um impacto positivo”, disse ao veículo The Telegraph.

Denis Tassitano, diretor de vendas da gigante de softwares SAP no Brasil, concorda com a avaliação. A SAP já desenvolveu uma tecnologia usada pela seleção alemã nesta e na última Copa – e é parceira empresarial da Hawk-Eye. “O árbitro de vídeo já é uma realidade em muitos esportes – e no futebol não seria diferente”, afirma. “Os argumentos contra o árbitro de vídeo são infundados e as confusões que estão sendo ocasionadas neste começo fazem parte do processo natural de adaptação.”

Críticos, porém, destacam que os fãs no estádio ainda não conseguem saber quando uma decisão está sendo avaliada pelo árbitro de vídeo; que as deliberações podem demorar minutos e interromper o fluxo da partida; que os técnicos ainda não estão acostumados com a tecnologia; e que as punições, no fim, incluem critérios subjetivos de gravidade.

O jornalista esportivo Juca Kfouri faz um balanço de pontos positivos e negativos da tecnologia. “O VAR é uma medida necessária para fazer mais justiça ao jogo. Deve ser usado com parcimônia e seria bom se cada time pudesse fazer desafios, como acontece no vôlei. Como toda novidade, precisa ser melhorado e terá, como está tendo, problemas na sua implantação.”

Os obstáculos não parecem desacelerar o crescimento da Hawk-Eye Innovations. A empresa afirma entregar soluções para mais de 20 esportes e cobre 7.200 jogos ou eventos por ano, em 65 países. Segundo o Irish Examiner, as receitas da startup estavam em 14 milhões de libras esterlinas (na cotação atual, cerca de 68,8 milhões de reais) em 2016, último ano de divulgação de dados financeiros. Cerca de 43% dos ganhos vieram de contratos internacionais, como os campeonato Bundesliga, da Alemanha, e a italiana Série A.

Além do fornecimento de tecnologias de vídeo e de simulação de lances, a startup também passou a oferecer atualmente serviços de software, como coaching para jogadores e engajamento de torcedores digitais. Por isso, além de associações esportivas, acumula na sua lista de parceiros empresariais gigantes como a própria SAP, Adidas, Facebook, HP e Twitter. As empresas inovadoras já invadiram o mundo dos esportes – e é melhor os espectadores das 64 partidas da Copa do Mundo 2018 se prepararem para os replays.

Via: Exame